Os miúdos estão mais inteligentes mas menos espertos

ROGÉRIO JÚNIOR        DIÁRIO ECONOMICO       01.07.17

Já não há sapatos esfolados de subir o escorrega ao contrário ou roupa com cor de relva do último trambolhão.

A tecnologia mais evoluída do mundo cabe no bolso das calças e não nos proibimos de a utilizar sempre que precisamos. Habituámo-nos a precisar sempre. Se não sabemos o caminho ligamos o GPS, se temos dúvidas sobre as cores do arco-íris ou o nome do rio que passa em Lisboa vamos ao Google. Está tudo à distância de um clique ou de um swipe. Cansámo-nos de ter de memorizar as coisas mais simples do universo. Desde que haja rede no smartphone sentimo-nos as pessoas mais inteligentes do mundo.
E os miúdos, como grandes esponjas de conhecimento que são, aprendem por inerência.
Se os pais procuram tudo online, eles também o fazem, quais macacos de imitação.
Com tenras idades já sabem como desbloquear o smartphone, jogar e procurar coisas na Internet, acordam antes dos pais e ligam os computadores e as consolas autonomamente. Exactamente como dizia a canção dos Xutos: “Putos que crescem sem se ver, basta pô-los em frente à televisão”.
Há uns anos, a AVG Technologies fez um estudo onde indicava que 66% das crianças entre os três e cinco anos sabiam jogar num computador mas apenas 14% sabiam apertar os atacadores.
Não aprenderam como se joga ao peão e ao berlinde, ou que um joelho esfolado não é o fim do mundo. Já não há sapatos esfolados de subir o escorrega ao contrário ou roupa com cor de relva do último trambolhão. Jogar à bola só por obrigação, ou se a consola avariar. São agora adolescentes que cresceram em bolhas individuais com um ecrã à frente, sem noção que lá fora existe um mundo para descobrir. Interagir offline tornou-se coisa do passado e o fator humano desceu a píncaros. Só o umbigo interessa. E esse tem perfil dedicado no Instagram!
Um bom exemplo disso é o bullying. Antigamente não havia massificação deste fenómeno, em vez disso andávamos à pêra uns com os outros, muitas vezes só porque sim e a coisa corria bem.
Não havia dezenas de “amigos” à volta a filmar para gáudio próprio. Se a coisa azedasse a sério os amigos interviam e safavam-se uns aos outros. No máximo com umas nódoas negras e o ego ferido. A história morria ali, ficando apenas para memória futura dos que lá estavam. E como é sabido, cada vez que se contava a história acrescentava-se um ponto, até desvirtuar por completo a realidade e cair no esquecimento do diz que disse.
Agora o que interessa é colocar no Youtube, mostrar aos demais que são “fixes” porque estiveram numa rixa violenta e partilharam tudo live com um sentimento de impunidade do tamanho do planeta, quando na verdade apenas assistiram a um espectáculo deprimente sem nada fazer. E pior, passa em prime time na televisão.
A inteligência cresce de geração para geração, como explica o Efeito Flynn, mas a esperteza, ou como nós portugueses dizemos, o “desenrascanço”, vai no caminho inverso, assim como a interação humana. É mais fácil ter um amigo virtual do que alguém que acompanhe lado a lado, assim como é mais provável comprar novo do que arranjar. E nem pensar em “dar um jeitinho”, excepto se houver um vídeo a explicar passo por passo e não demorar mais do que uns minutos, que o feed do Facebook não se actualiza sozinho.
Não vai faltar muito para que mudar uma lâmpada, acender um fogareiro ou cumprimentar o colega cara a cara sejam tarefas impossíveis de dominar. E esse é o verdadeiro perigo que nos espera.

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