Famílias portuguesas são a personalidade do ano

Pedro Bidarra
Publicitário, psicossociólogo
In Dinheiro Vivo 28.12.13


Não sei a quem dar os créditos deste título. Disse-me um amigo que o ouviu num daqueles fóruns radiofónicos onde é costume ouvir zangados lugares comuns sobre política e os políticos. Dizia o participante que a mulher tinha conseguido fazer milagres com o pouco que tinha e, por isso, a vida da sua família tinha sido melhor do que seria de esperar.
O ouvinte em questão talvez não se tenha dado conta, mas está casado com uma sinédoque: a personalidade do ano é a mulher dele e todas as outras. Bem como todos os maridos e os avôs e as avós e os netos, empregados e desempregados, enfim, toda a família. É a Família, em todas as suas formas, que é a personalidade do ano.
Talvez a escolha esteja influenciada pelo sentimentalismo normal nesta época do ano em que o Sol se põe cedo e a noite é embalada pelos acordes do White Christmas do Irving Berlin e do Adeste Fideles – que diz-se ter sido composto por D. João IV e cantado em Londres, na embaixada portuguesa, até ter passado para o repertório anglo-saxónico com o título "Come all you faithfull". Pode mesmo ser pieguice. Mas eu vejo a família como a personalidade do ano neste triste lugar condenado a empobrecer como expiação do pecado de querer viver melhor, de ter uma vida mais feliz, próspera e sincronizada com a modernidade do mundo. Mas não é só pieguice e sentimento: são números também e, por isso, a razão.
Muitas vezes nesta coluna, tenho citado as conclusões dos estudos do "Consumer Lab", um grupo de gente sábia que olha e estuda os cidadãos consumidores de modo a entender os processos de ajustamento a que deitam mão para fazer face à barbaridade socioeconómica que sobre todos nós se abateu. Os resultados são um espanto e contradizem, muitas vezes, o discurso jornalístico / político / sindical predominante nos media. O contexto bárbaro e injusto é o noticiado, mas o esforço e o engenho das famílias para fazer uma ginástica racional e criativa de modo a manter um nível de vida digno, sem desistir da ideia de prosseguir a felicidade, é notável. (...)
O mais importante [de todos os resultados do estudo] é que o processo de ajustamento – um eufemismo para processo de empobrecimento – se fez voltando a reunir a família. A crise uniu pais, filhos, avós e netos. Saberes antigos, arrumados na gaveta da irrelevância, voltaram a ser trazidos para o quotidiano pelos mais velhos para ajudar os mais novos. Assim como a vida em rede que a tecnologia possibilita, uma especialidade dos mais novos, foi posta ao serviço de toda a família.
Nas últimas décadas, cada geração tentou encontrar um caminho novo e diferente, muitas vezes por oposição aos caminhos percorridos pelas gerações mais velhas. Hoje, e aqui, assiste-se a uma cooperação intergeracional que todos convoca para resolver os problemas. As famílias têm sido o grande exemplo do que deve ser feito: cooperar, ajudar, colaborar e, sobretudo, inventar novos (não velhos) caminhos. Se não fosse o saber das famílias, a sua coesão e o seu engenho para sobreviver sem nunca desistir de tentar a felicidade, o país há muito que estava a ferro e fogo.

Foi a Família que aguentou esta barbaridade. E é ela que a vai resolver.

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