Governo ilegítimo?

José António Saraiva
Sol, 2013-06-04

Há quem diga – já ouvi pessoas tão diferentes como Soares e Eanes fazerem essa afirmação – que o Governo «perdeu a legitimidade».
Afirmação bizarra, tendo em conta que o Executivo dispõe de um confortável apoio parlamentar.
Convém lembrar, neste momento delicado, que a democracia assenta sobre um conjunto de regras que as pessoas responsáveis têm obrigação de conhecer e respeitar, sob o risco de cairmos na anarquia ou no 'salve-se quem puder'.
E uma das regras é esta: um Governo é eleito por quatro anos, e durante esse período deve ter condições para governar, desde que conserve a confiança do Parlamento.
Ora, nunca tendo estado em causa esse apoio, por que razão o Governo deixou de ter legitimidade?
Por causa das sondagens desfavoráveis?
Por causa das manifestações da CGTP, da extrema-esquerda ou do 'Que se Lixe a Troika'?
Por causa dos boicotes e dos apupos ao primeiro-ministro, ao ministro das Finanças ou a outros governantes?
Por causa dos chumbos do TC (um órgão não eleito)?
Por causa dos ataques na imprensa?
Por causa dos comentadores?
Por causa dos barões dos partidos?
Por causa de quê?
Mesmo que se concluísse que o país inteiro estava contra o Governo, isso não poderia ser razão para o Presidente o demitir.
O contrato da democracia prevê um mandato de quatro anos – e só ao fim desse período o Governo deve ser julgado.
E isso é assim porque, doutro modo, estimularia a subversão e impediria as chamadas 'políticas impopulares'.
Só o cumprimento das regras democráticas permite aos governos pôr em prática medidas de que as pessoas não gostam mas que podem ser necessárias para o futuro das nações.
O aumento dos impostos é, a esse respeito, um dos exemplos mais evidentes.
Só há um argumento com um mínimo de fundamento objectivo que pode ser invocado para retirar 'legitimidade' ao Governo: o facto de não estar a cumprir o prometido em campanha eleitoral.
Mas, quanto a isso, cabe lembrar que – mais coisa menos coisa – o Governo está a seguir o Memorando da troika, negociado pelo anterior Governo e que o PSD e o CDS também subscreveram.
E está a cumpri-lo satisfatoriamente, caso contrário não iríamos na 7.ª avaliação positiva.
Ora, esse Memorando era conhecido na altura das eleições.
Acresce que, se um Governo perdesse a legitimidade por não cumprir as promessas feitas em campanha, nenhum primeiro-ministro teria durado três meses.
Recordo que Durão Barroso prometeu um «choque fiscal», com descida brusca de impostos, e quando assumiu o cargo… aumentou os impostos.
E com Sócrates sucedeu o mesmo: tinha criticado asperamente o Governo anterior por aumentar o IVA, e após ganhar as eleições… subiu-o ainda mais.
Por aqui, portanto, não chegaremos lá.
De todo os os primeiros-ministros que Portugal teve, Pedro Passos Coelho é certamente o mais liberal – pelo que a sua grande ambição, quando assumiu o Governo, seria aliviar os impostos.
Aliviar os impostos sobre o trabalho e os impostos sobre as empresas.
Os liberais como ele acreditam que só com empresas saudáveis a economia poderá crescer e se combaterá o desemprego.
Com empresas afogadas em impostos o investimento cairá, as falências aumentarão, os despedimentos e o desemprego crescerão.
Além disso, Portugal não será atractivo para o investimento estrangeiro.
Portanto, quando chegou a S. Bento, o objectivo de Passos Coelho seria sempre diminuir a carga fiscal.
Só que a situação financeira do país não o permitia – e Passos teve de fazer exactamente o contrário do que gostaria: aumentou os impostos em vez de os descer, sabendo que com isso ia prejudicar a economia.
No sentido de inverter a situação, fez depois várias tentativas:
1. Quis cortar dois subsídios aos funcionários públicos (para reduzir a despesa do Estado); mas o TC não deixou.
2. Quis alterar a TSU (para desafogar os cofres das empresas mais vulneráveis); mas o CDS não deixou.
3. Planeou diminuir em 4 mil milhões as despesas públicas; mas muita gente (mesmo no PSD) tem-se oposto;
4. Admitiu baixar as pensões; mas o CDS não deixa.
Que alternativas restam, então?
O PS diz que é preciso «renegociar o Memorando».
Mas para renegociar qualquer coisa são precisos dois – não basta a vontade de um.
Ora a troika não quer renegociar nada.
E a troika não é uma entidade abstracta: é a representante dos credores, que estão fartos das desculpas e dos pedidos de adiamento.
E nós temos de perceber que não podemos continuar de mão estendida, à espera das esmolas da Europa.
De uma vez por todas, temos de nos habituar a viver com o que temos.
E para isso, só há um caminho:
1. Reduzir a despesa do Estado;
2. Aliviar gradualmente os impostos sobre as famílias e sobre as empresas (aproveitando essa redução da despesa pública);
3. Atrair investimento estrangeiro e esperar que as empresas portuguesas voltem a investir e a admitir gente (beneficiando das condições fiscais mais favoráveis);
4. Manter a estabilidade política, para dar confiança aos mercados externos e aos investidores portugueses.
Este é um caminho claro: só assim a economia poderá crescer e se combaterá o desemprego.

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