A adversativa

20/06/2013

Sou filho de professores. O meu pai, que faleceu há quase 19 anos, tinha pela sua profissão um respeito que ainda hoje lhe granjeia as memórias que só aos grandes mentores os antigos alunos reservam. Se havia coisa que me deliciava, era ver os meus colegas - ele foi professor na mesma escola onde estudei, a Didáxis, embora nunca tendo sido meu - no primeiro período a queixarem-se da sua exigência para, no final do ano, estarem rendidos às aulas e ao conhecimento que ele lhes transmitia, ainda que nunca deixando que essa exigência baixasse. O meu pai adorava dar aulas e adorava a língua que falamos. Por isso mesmo era feliz na profissão que escolhera, a de professor de português. A minha mãe foi professora primária. E ainda hoje escreve com a mesma letra que me ensinou, tão característica.
Este fim-de-semana perguntei a três pessoas algo que, em 19 anos, nunca fiz sobre nenhum assunto: o que acharia o meu pai? No caso, que considerava surpreendente de tão grave, o que acharia ele desta greve. Perguntei-o à minha mãe, ao meu avô - que viveu como tantos o 25 de Abril do lado da Revolução e que entende perfeitamente a luta das classes, operário durante os 50 anos que trabalhou como serralheiro - e ao director da escola onde o meu pai dava as aulas e que era o seu melhor amigo, o José Fernandes. Nunca achei bem perguntar o que poderia fazer alguém que, desaparecendo do nosso convívio e nos tendo deixado tantas saudades, não estaria cá para responder. Mas nesta situação, não resisti.
E as respostas foram as que esperava: estaria completamente contra a marcação de uma greve para uma data em que os alunos que ele tanto respeitava seriam as maiores vítimas. E vi-me ainda mais revoltado do que ele poderia ficar. E pensei então na adversativa.
Porque, se havia direito que o meu pai defendia e que eu defendo é o da greve. Quem, como ele, andava com o Avante! dentro do casaco no início dos anos 70 e se tornou um socialista moderado durante a democracia que feliz viveu, sabe da importância que esse direito tem. Mas o meu pai também me ensinou uma outra coisa: não há direitos sem deveres. E vivemos tempos em que toda a gente se acha no direito mas poucos se acham no dever.
Por isso o "mas". O direito à greve, que a nossa lei fundamental consagra como deve no artigo 57, com toda a limpidez que lhe falta em tantos outros sítios, é inabalável. E não concordo com alguma adversativa na lei fundamental. Mas o "mas" deveria ter estado presente na mente dos professores e, ainda mais, na dessa corporação, desse lobby à americana que se chama Fenprof, e que se diz um Sindicato dos Professores.
Não é. Um sindicato luta pelos direitos dos seus trabalhadores, não funciona como uma corporação. E os sindicatos dos professores, com a Fenprof à cabeça e o sr. Mário Nogueira como timoneiro, em vez de pensarem nos professores (seus direitos e deveres), e consequentemente nos alunos e na Educação, pensam apenas na corporação, como sempre pensou essa corporação bancária que se chamava Associação Nacional das Farmácias, por exemplo. Pensam apenas nos seus direitos.
Culpa deles? Também, mas não só. Os Governos que mal ou bem nos governaram durante tantos anos é que nunca tiveram a coragem de os afrontar. E quem tentou, perdeu. Os sindicatos ganharam sempre. Sou filho de professores, sei do que falo. A minha mãe reformou-se aos 52 anos, com o tempo todo de serviço. Era um direito que o sindicato conseguiu e ela, e bem, usufruiu. Mas porque não aceitar que uma pessoa na posse total das suas qualidades profissionais, com três décadas de saber feito, possa ser requalificada para poder prestar outros serviços à comunidade? Ela aceitaria - porque os presta pro bono numa IPSS. Mas os sindicatos não, que iria contra os seus direitos. E assim, esperando como espero que dure até aos 90 anos da minha bisavó, o Estado vai pagar a reforma à minha mãe durante 40 anos. E depois surpreendemo-nos que tenhamos falido.
O serviço que os sindicatos dos professores prestaram a todos nós na última segunda-feira foi deplorável. Desde os seus associados, que viram ser confundida a sua justíssima revolta contra tantas políticas de um Governo medíocre com as palavras dogmáticas de quem os diz representar. Até aos pais e, claro, aos alunos. O ministro da Educação (que com o da Saúde e a da Justiça são como árvores de fruto - erros de casting de tão competentes para tamanha incompetência governativa na floresta queimada que nos desgoverna) teve o comportamento que devia. E só lamento que a opinião pública não perceba que direitos sem deveres levam um país e quem lá vive ao abismo; e que os professores não se revoltem, isso sim, contra quem os acaba por manietar com palavras ocas retiradas da cartilha de um partido que ainda tem como programa a criação de uma "democracia avançada" que não tem nenhuma adversativa mas me parece uma óptima metáfora para outras coisas.
Há uma greve geral marcada para o dia do exame de Matemática. O ministro da Educação percebeu que nada haverá a fazer senão alterar já a data do exame. Não porque o devesse ter feito no de segunda-feira passada - que não devia - mas porque o direito à greve é inabalável quando lutamos contra a floresta mesmo entendendo que há árvores de fruto que ficam chamuscadas.

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