Velhos são os trapos

Inês Teotónio Pereira , i-online  7 Jul 2012
No meu entender a idade é um posto: uma avó ou um avô sentam-se sempre no banco da frente e a criancinha ou o jovem vai sempre atrás
Eu pertenço ao tipo de pessoas que acham que os mais velhos sabem mais, que os anciãos são mesmo sábios só por serem anciãos. E esta crença não é racional, pois nem sequer tenho a certeza se eles sabem ou não: só acho que eles sabem mais, seja quem for. Para mim é simples: alguém que é bem mais velho que eu sabe bem mais que eu. Nem perco muito tempo a averiguar o assunto: calo-me e oiço. Cresci assim.
A verdade é que sou institucionalista com os mais velhos; não sou paternalista ou condescendente, sou mesmo institucionalista neste capítulo. Deixo-os passar à frente, deixo-os falar primeiro, não discuto, não corrijo, cedo-lhes o lugar e aceito com toda a humildade a sua autoridade, seja ela legítima ou não. Se uma senhora de idade me quiser oferecer rebuçados envenenados não terá muito trabalho, da mesma forma que também seria muito facilmente raptada pela bruxa da casinha feita de doces, sem nunca suspeitar da bondade da dita.
Por mim entregava o país e a crise a um grupo de pessoas com mais de 70 anos e dormiria sem sobressaltos. Não olharia sequer a crenças ou a ideologias desse grupo de anciões – apenas verificava o ano do seu nascimento e só quem se lembrasse da Segunda Guerra poderia governar.
No meu entender a idade é um posto: uma avó ou um avô sentam-se sempre no banco da frente no carro e a criancinha ou o jovem vão sempre atrás, a televisão deve estar aos berros sempre que for preciso e devemos repetir e ouvir a mesma história as vezes que for preciso.
No entanto, não é assim que o mundo novo funciona (aliás, eu e o mundo novo raramente andamos no mesmo sentido – o mundo, na maioria dos casos, está errado). A verdade é que no mundo novo quem manda são as crianças. A vontade das crianças e dos jovens é uma espécie de religião nova. O que eles querem, o que eles dizem, o que eles desejam é uma espécie de credo, apesar de volátil, do mundo moderno. Asneira ou não, eles devem ser sempre ouvidos e respeitados. No fundo, existe uma espécie de complexo no mundo dos crescidos que os faz dobrarem-se perante os mais novos, como se os novos formassem um grupo de elite com poderes especiais a quem todos devem vassalagem.
Ora as coisas não deviam funcionar desta maneira. No meu entender deviam ser assim: as crianças e os jovens, por serem indigentes e não possuírem todas as capacidades dos crescidos, precisam de direitos, precisam de protecção, porque não sabem tomar conta deles sozinhos. Só nesta dimensão é que as crianças são especiais. Ou seja, o essencial na vida dos nossos filhos não é o respeito, e muito menos uma espécie de vassalagem, mas sim a protecção.
Quanto aos mais velhos, não precisam de direitos, precisam de respeito. Não precisam de direitos porque não são indigentes nem incapacitados; têm apenas muitos anos. Os idosos, assim como todas as pessoas, só requerem direitos especiais quando estão doentes. De resto, e ao contrário das crianças, são pessoas normais e devem ser tratados como pessoas normais.
Ora as consequências desta inversão dos tempos modernos levam-nos ao actual estado das coisas: passamos a vida a ouvir quem não sabe, os jovens e as crianças, e a ser condescendentes com quem sabe (excepção feita ao professor Medina Carreira, que não admite não ser ouvido). O que, está à vista, tem dado asneira.
É por isso que no meu mundo as crianças vão sempre atrás: por uma questão de protecção e de direito.

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