A ânsia de protecção

Público 20120424 Pedro Lomba

Marine Le Pen surpreendeu nas eleições em França. Os 20% da candidata da Frente Nacional deixaram a generalidade da imprensa europeia em choque. Mas será que este choque higiénico nos serve alguma coisa para compreendê-la? Dizer que Marine Le Pen significa o regresso da "extrema-direita", da "ameaça fascista" ou da "xenofobia" na Europa pode funcionar como dramatização e apelo à memória. Mas passa ao lado das verdadeiras causas. Os trabalhadores votaram em Marine Le Pen. Porquê?

Este triunfo eleitoral junto dos trabalhadores traz à memória uma velha frase do historiador das ideias Zeev Sternhell: "O nosso conhecimento da direita, comparado àquele que temos da esquerda, continua a ser ainda muito rudimentar". Algumas reacções às eleições em França confirmam que esse "carácter rudimentar" se mantém. Nas eleições em que a esquerda tanto recorreu à herança da Revolução Francesa e aos valores históricos da III República para cativar os descontentes com a Europa, o capital financeiro e os mercados, muita gente acreditou que toda essa multidão deserdada acabaria naturalmente por confluir para a esquerda. Como identificam em demasia a direita com o laissez-faire da globalização económica, do ataque ao Estado e da desnacionalização da economia, subestimaram o impacto do discurso proteccionista de Marine Le Pen.

Foi a França que criou as categorias políticas a que nos últimos 200 anos temos vindo a chamar esquerda e direita. Mais, foi em França que as múltiplas correntes da esquerda e da direita se encontraram num laboratório de ideias e experiências. Por isso, quando ouvimos Marine Le Pen dizer "nós explodimos o monopólio dos dois partidos, dos bancos, das finanças e das multinacionais", só por falta de cultura política se pode pensar que este pensamento contra as finanças e contra as multinacionaisé apanágio das esquerdas funcionando, nesse sentido, como um discurso oportunista e demagógico. Na verdade, este cruzamento entre ideias soberanistas e proteccionismo social está bem enraizado em certas direitas francesas.

É preciso olhar para Marine Le Pen a partir da história das ideologias. Existem muitas famílias nas direitas francesas. A divisão mais clássica reconhece três: a legitimista, a orleanista e a bonapartista. O que pretendo sublinhar é que, no pensamento continental, a direita francesa foi sempre a que mais activamente recusou a economia como categoria fundante do político.

A recusa do "império da economia" permite-lhe mais facilmente conquistar o voto dos jovens precários, dos insatisfeitos e dos trabalhadores. Entre as propostas de Marine Le Pen contam-se muitas reivindicações básicas e pedestres. Porém, o apelo ao patriotismo económico e a formas de proteccionismo hábil contra a concorrência desleal dos países com mão-de-obra barata e empresas deslocalizadas é exactamente aquilo que os trabalhadores querem ouvir. Entra num território importante para a esquerda. Nenhum político lhe pode ser indiferente.

Além disso, este foi o discurso de uma mulher divorciada, mãe de três filhos, que conhece o mundo do trabalho e nunca se desviou de uma linguagem simples e eficaz. O sucesso de Marine Le Pen representa a ascensão de uma direita radical de colarinho branco que, por todas as formas sofisticadas, tentará tirar partido da enorme ânsia de protecção e segurança dos cidadãos nacionais. Aquilo que estes dramaticamente pedem ao Estado é que os proteja. Da economia, da Ásia, dos outros. Ausente algumas décadas, o proteccionismo está de volta.

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