A fraude da patente unitária europeia

José Ribeiro e Castro
JN  2011-03-06
Correm poderosos movimentos surdos para impor, na União Europeia, sob a alcunha de “patente unitária”, o regime da “patente europeia” em exclusivo trilingue (inglês, francês e alemão). O mais espantoso é este atentado à nossa língua e à nossa economia ser feito, com agenciamento de portugueses, a galope do garboso corcel que ostenta o nome da nossa cidade-capital: o Tratado de Lisboa.
A passagem da patente europeia para a patente unitária com apenas três línguas tem sido uma longa sucessão de manobras, truques e malabarismos. Claro que, no debate em Estrasburgo, em Fevereiro, o comissário Barnier e o relator Lehne fizeram-se de desentendidos: um é francês, outro alemão – ou seja, falantes das duas línguas que, negando o multilinguismo geral e o compromisso do “English only”, querem conquistar um estatuto de privilégio anti-comunitário.
O Instituto Europeu de Patentes, em Munique, não é um organismo comunitário. Abordasse a União Europeia de raiz a questão das patentes e construiria, com quadro administrativo e regulamentar próprio, um regime multilingue, como é regra geral. Porque baseia-se em relações de paridade e não-discriminação, em vez de relações de força e de poderio.
A escolha de Munique foi o primeiro truque “histórico” para favorecer alemães e franceses. E a colagem da regulamentação comunitária é o segundo truque, capaz de torpedear, em todo o espaço comunitário, as garantias nacionais – essenciais também à segurança jurídica e à igualdade de condições concorrenciais – que constavam da Convenção de Munique. Agora, a “cooperação reforçada” é o último malabarismo de um longo teatro contra a Europa e os seus fundamentos.
A manobra tresanda por todos os lados. É escandalosa. Merece denúncia frontal e forte reacção.
Desde que introduzidas, as cooperações reforçadas correspondem a uma previsão séria, não a um expediente de ocasião. Embora limitadas a alguns Estados-membros, são ainda um modo de estruturação da U.E. – e não da sua desestruturação. Por isso mesmo estão reguladas pelos Tratados – e, por isso mesmo também, só devem ser usadas para serviço dos Tratados e do seu espírito. São uma forma de construir Europa, não de a desmanchar.
As cooperações reforçadas não devem servir, como aqui, para lançar Estados-membros contra Estados-membros, nem ser um truque oportunista para contornar regras de decisão claramente estipulados – neste caso, a unanimidade que foi garantia inscrita no artigo 118º TFUE.
É de lamentar que o governo, o PS e uma mal orientada diplomacia nacional não defendam os direitos e interesses de Portugal, da língua portuguesa e da economia nacional. E deplorável que o PSD se arraste em ambiguidade cúmplice.
As cooperações reforçadas não são um mecanismo de guerrilha negocial ou institucional. E muito mal irá a União Europeia se, a somar aos factores de crise actuais, entrar pela via da instrumentalização e manipulação das cooperações reforçadas, a torto e a direito, em sucessivos domínios, caminhando para uma espécie de "Europa a retalho".

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